Nos últimos anos, duas áreas do mundo dos negócios vêm sendo particularmente impactadas pela visão de que as decisões devem ser tomadas com um critério um pouco mais “científico”, baseadas em dados e evidências.
A primeira delas é o mundo das finanças e das estratégias de investimentos (que é a minha área “de origem”). Um dos jargões que mais se ouvem entre os gestores de investimentos é “quant”, se referindo àqueles investidores que se baseiam em abordagens quantitativas, em geral de base probabilística.
No mundinho dos quants, a habilidade de programar (para desenvolver os famosos “robôs”), manipular dados e identificar padrões acabou se tornando mais importante que a capacidade de interpretar dados econômicos ou empresarias de natureza mais qualitativa.
A segunda área é o marketing. Especialmente nos últimos anos, com a popularização da internet e o desenvolvimento de ferramentas digitais, o marketing também vai ficando cada vez mais “quant”, com menos espaço para os “criativos” e uma predominância cada vez maior de nerds “mastigando dados” e fazendo testes.
Tem uma frase antiga do mundo do marketing (atribuída a John Wanamaker, um dos pioneiros do marketing moderno), que diz que “Metade da verba gasta em marketing é perdida. O problema é que não se sabe qual é essa metade”.
“Metade da verba gasta em marketing é perdida. O problema é que não se sabe qual é essa metade” (John Wanamaker)
Enfim, era aquela velha história de “dar um tiro para o alto e ver se caía alguma coisa”. Porém, com o aperfeiçoamento das ferramentas digitais, a quantificação dos esforços de marketing fica cada vez mais possível e, aos poucos, as empresas começam a descobrir qual é essa “metade” que acaba perdida.
Mas, enfim, num contexto de negócios que vai sendo, cada vez mais, dominado por dados e evidências, é preciso tomar cuidado com um personagem que é bastante comum, especialmente em posições gerenciais e executivas de diversas organizações: o “poser analítico”.
Para quem não sabe (ou não se lembra), “poser” era um termo muito usado no mundo do rock (especialmente o hard rock e o heavy metal) para designar aqueles roqueiros que eram “só aparência”. Que usavam roupas de couro e cabelo comprido, mas que tocavam músicas melosas e bregas, para consumo de um público pouco exigente, que os verdadeiros fãs do rock não reconheciam como “legítimas”.
O “poser analítico” é aquele sujeito que é um “analítico de aparência”, que gosta de falar como se fosse um cientista e que, nas reuniões, abusa de frases de efeito como “vamos ser objetivos” ou “vamos analisar os fatos” (frases que acabam trazendo, embutidas, a pressuposição de que os interlocutores não estão sendo, exatamente, pessoas “racionais”).
Só que, na hora de tomar uma decisão, a despeito de todo o discurso, o sujeito decide de forma intuitiva. Frequentemente, esse tipo de líder mobiliza toda a estrutura da organização para coletar e processar dados, fazer análises complexas e relatórios para, no final (me desculpe pela indelicadeza, mas tenho ouvido esse termo com frequência para definir o que quero dizer), “decidir com a bunda”.
Uma variação do “poser analítico” é aquilo a que, em Inglês, chamam de “HiPPO” (Highest Paid Person Opinion – a opinião da pessoa com salário maior, em tradução livre). Aquela situação em que se faz todo tipo de análise, debate e argumentação, mas, no final, vale aquilo que sai da cabeça do “chefão” (ainda que não faça nenhum sentido para os objetivos de negócio da organização).
HiPPO” (Highest Paid Person Opinion). Quem tem o salário mais alto, vence…
O problema de ter um “poser analítico” em posição de decisão é que coletar e processar dados é algo que toma tempo e dinheiro. Então, fazer essa mobilização apenas para tentar disfarçar uma decisão que já estava tomada (pois o líder já tinha a “cabeça feita”) é um desperdício de recursos. Além de ser, também, uma forma de colocar a organização em risco, tomando decisões que vão contra os fatos e as evidências. E isso é particularmente sério, especialmente quando não é o dinheiro do “poser analítico” que está em jogo…
A propósito, um bom exemplo de “poser analítico” é o gestor de investimentos (e um dos homens mais ricos do mundo) George Soros, que chegou a criar a sua própria teoria (chamada de “Teoria da Reflexividade”) que, supostamente, pauta suas decisões de investimento. Porém, notoriamente, suas decisões são guiadas não pelo modelo definido em sua teoria, e sim por uma “dor nas costas” (literalmente) que, sempre que se manifesta, o faz tomar uma decisão. Ou seja: Se cria um modelo “científico”, mas, na hora de decidir, a intuição prevalece.
Obviamente, no caso de George Soros, a intuição deve funcionar bem (afinal, ele está na lista dos mais ricos do mundo). Mas para cada George Soros, devem existir algumas centenas de investidores e executivos que perdem dinheiro desconsiderando dados e evidências, e tomando decisões puramente intuitivas.
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André Massaro